Ringo

Não sei quando começou, mas acredito que minha vontade de entender melhor e conviver com cães teve início com meu primeiro amigo canino, Ringo. Um pequeno vira-latas preto muito bonito e simpático. Conheço ele mais de histórias do que de lembranças. Mesmo assim, acredito que ele foi o meu primeiro bom amigo.

Contam que ele me protegia e me guiava quando eu ainda era bebê. E que aceitava, sem reclamar, todas as brincadeiras “pesadas” que só um bebê pode submeter um bicho de estimação.

Na minha lembrança infantil, ele sumiu num dia em que esqueceram o portão de casa aberto. Hoje, conhecendo várias desculpas que adultos dão para crianças aflitas, acho que o destino dele pode ter sido outro. Como isso faz muito tempo, certamente já não está mais nesse mundo.

Dele eu aprendi que é possível ser diferente e se respeitar, se cuidar e até amar. Ele foi o único cachorro que minha mãe aceitou em casa em toda a minha vida. Quando ele sumiu veio um filhote chamado Pingo, mas que por ser muito “elétrico” foi morar na granja de um amigo.

Enfim, Ringo deixou saudades e sempre terá um espaço para ele na minha casa.

Boca a boca com um Pitbull

Boy era uma mistura de Pitbull, Bullterrier e vira-latas. Era um cão bonito, mas tinha uma herança maldita: a dos “cães assassinos”. É que está na moda chamar os cães de grande porte de assassinos, “animais violentos”, “descontrolados”, “feras ensandecidas”.

O cachorro, desde cedo já sofria com o preconceito e com o medo que gerava nos marcados pelas matérias e notícias que são irresponsavelmente veiculadas por todo o país. Quando chegava alguém em casa e via o filhote, claro, corria para afagá-lo e brincar com ele. Só que quando descobria a raça do bicho se afastava e já achava que estava sendo encurralado pelo filhote.

Isso acontecia em casa também, como o filhote veio sem consulta e trazido pelo adolescente da casa, as repreensões iniciaram, mas sem ninguém resolver devolvê-lo e ele passou a ser tratado de maneira diferente de como o outro cão da casa. Aliás, outro vira-latas só que “raceado” com pastor alemão e gigante chamado Lobão.

Passou a viver amarrado no pé de uma árvore desde os cinco meses. O adolescente encorajava brincadeiras como perseguir outros cães e gatos. Apesar de Boy ter um amigo gatinho, também filhote, ele passou a não aceitar outros bichos em seu território.

Logo, o seu comportamento ansioso e agressivo, gerado pela forma como vinha sendo criado gerou o medo da família. Ninguém passeava com Boy, ninguém brincava com ele.

Aí, tiveram uma idéia, vamos adestrá-lo. Vamos. E eu fui. O primeiro problema a vencer era a ansiedade dele. Sempre que começávamos a brincar, ele só queria morder e arranhar. Essa era a única forma que ele conhecia de agradar o dono. A corrente do enforcador e a guia para ele eram apenas mordedores.

Na fase do passeio na rua foi o inferno. Ele tinha medo da corrente, quando vestia o enforcador ficava louco. Depois descobri que ele apanhava com a corrente e depois era preso a um coqueiro com ela. Ele simplesmente detestava a corrente. E eu, enquanto adestrador, tentava mostrar que a corrente não faria mal para ele.

Depois de algumas aulas ele percebeu que o enforcador não ia machucá-lo, mas teve um momento em que ele tentou perseguir um gato e acabou recebendo um tranco da corrente. Com o estalo da corrente, muito mais do que por causa do tranco, ele se assustou e enlouqueceu.

Boy pulou, puxou, deitou, empurrou e eu me mantive parado esperando o fim do ataque de pânico. Eu alisava sua cabeça e falava macio com ele para que ele se sentisse seguro, mas ele estava descontrolado. Segurar um bicho forte como aquele foi difícil, mas ele nunca me ameaçou.

Depois de quase um minuto de agonia Boy desmaiou. Faltou ar e ele apagou. Nós estávamos na rua e eu não podia soltá-lo, precisava que ele se acalmasse para que o enforcador afrouxasse, mas nunca planejei fazê-lo desmaiar. Quando isso aconteceu, eu fiquei preocupado e não tinha nada mais a fazer além de fazer uma respiração “boca a boca”.

Na verdade, a respiração de emergência nos cães não são feitas pela boca e sim pelo nariz. Fecha-se o focinho e segura o maxilar com as duas mãos para garantir que o ar não saísse pela boca e depois sopra-se pelo nariz. E assim fiz.

Porém, quando Boy apagou, ficou quieto e o enforcador afrouxou. Quando eu estava com tudo pronto para soprar seu nariz, ele acordou e me olhou nos olhos. O alívio foi meu e foi ainda maior quando ele me lambeu depois que eu soltei seu focinho. Pelo jeito eu tinha um amigo, porque, apesar da proximidade, ele não teve medo de mim nem ficou agressivo.

No fim, a família desistiu de cuidar de Boy e ele foi morar numa fazenda na zona rural de João Pessoa. Sempre que lembro dele, espero que esteja bem onde estiver.

Boy, meu amiguinho, te cuida.