Adestramento de donos de cães

Bruna era uma dobermann marrom. De todos os cães que já adestrei, ela foi a que respondeu ao treinamento mais rápido. Em cinco meses ela estava pronta com treinamento de obediência completo e de defesa domiciliar.

Ela tinha seis meses quando começou. A cadela era linda e muito ativa. Ela morava com uma família que tinha mais alguns cães. Dois vira-latas de pequeno porte e maia velhos e uma outra dobermann com três meses a menos que ela.

Talvez pela disputa com os outros cães, ela logo se apegou a mim e às brincadeiras do adestramento, devia estar competindo com os demais cães da casa pela minha atenção.

Sempre muito atenta, prestava atenção em tudo e, quando na rua, ficava sempre curiosa. Por se tratar de um bairro calmo, muitas vezes pude aplicar o treinamento experimentando até mesmo andar sem a guia presa ao enforcador. Ela nunca saía do meu lado.

Enfim, apesar de curiosa, atenta e muitas vezes super-ativa, Bruna nunca desrespeitava o treinamento. Nunca desobedecia ou fugia. O treinamento foi concluído quando passeia as regras para as pessoas da casa.

Acontece que, tempos depois, quando adestrava outro cão pelo bairro, encontrei com a dona de Bruna e ela se divertiu contando uma história. Ela me disse que estava conversando com uma vizinha no portão e Bruna estava ao seu lado. Como ela tinha dito para que ela não saísse, não se preocupou mais.

No entanto, curiosa como era, a cadela fica num pé e noutro para acompanhar a movimentação da rua. O comando “fica” estava funcionando bem, mesmo com uma estranha na porta que, vez por outra, dava uma gargalhada entre as fofocas.

Só que na rua passaram dois rapazes numa única bicicleta. Um pedalava e o outro vinha sentado de carona. E, num dado momento, o carona resolveu descer da bicicleta ainda em movimento e emendou uma corrida que se tornaria numa caminhada.

Para Bruna aquela visão foi demais. Seu instinto de caça não podia deixar aquilo passar. Pior, quando ela latiu aquela figura que há pouco se transformara em duas correu. Ou seja, é uma presa. Foi demais, até para uma cadela adestrada. E ela partiu.

Bruna iniciou uma perseguição, acredito que mais pela caçada que pelo resultado, correu atrás o rapaz que corria a pé. Enquanto isso, sua dona gritava, xingava, clamava por Deus, tudo. E Bruna nem ouvia, ou fingia que não.

O rapaz subiu num muro alto uns 50 metros dali e escapou da investida da cadela. Tudo bem que dentro na casa protegida pelo muro havia um casal de filas brasileiros, mas o rapaz não chegou a cair.

A dona de Bruna finalmente lembrou das aulas que dei para ela e, ao invés de “ai meu Deus”, “num faça isso” e “menina pare com isso”, ela resolveu dizer: “Bruna, não! Aqui!” Nessa hora a cadela parou o ataque, e voltou para casa sem olhar para trás.

A história é verdadeira e serve para mostrar que, apesar de adestrado, o cão não passa a ser inteligente ou a entender o que nós dizemos para ele. Ele simplesmente passa a reconhecer comandos. Os comandos é que serão obedecidos. Prantos, xingamentos ou preces serão completamente ignorados pelo cachorro.

Outra coisa que a história mostra é que não adianta ter um cão preparado se o dono não conseguir se comunicar com ele e não respeitar os limites que um animal que pode ser perigoso tem (e qualquer cão de grande porte é potencialmente perigoso).

Os porquês

Os cães. Animais que vivem em grupos e precisam respeitar hierarquias e regras para que o convívio social seja harmônico. Os homens.

Lida do primeiro período para o terceiro tanto quanto do terceiro para o primeiro esta frase faz sentido e é verdadeira. Talvez por isso os homens tenham conseguido, há tanto tempo, se aproximar dos cães ao ponto de, em muitos casos os dois grupos partilharem de uma mesma família.

Ouvi dizer e li alguma coisa sobre os grupos de cavalos e de sua fidelidade ao seu líder, quer seja eqüino ou humano, mas até hoje só tive a chance de conviver de maneira cotidiana com cachorros. Assim, para mim, os cães são seres que fazem parte do meu “ciclo familiar”.

Observar matilhas ou cães solitários traz lições valiosas para a vida de qualquer cidadão bípede. A relação com seus semelhantes, a proteção da sua família e a forma de educar seus filhotes dão exemplos excelentes de como nós poderíamos tratar e educar nossos pares.

Claro, para isso precisamos além dos latidos, lambidas, mordidas e dentadas. Mas logo que percebemos o porquê de cada ação e gesto, é flagrante a semelhança com as lições e mensagens que nós mesmos passamos e recebemos.

Portanto, se você quer que o teu cão te obedeça e te admire, primeiro veja como os cães se comunicam e depois use isso ao seu favor. Deixe claro quando está contente ou não com ele. Sempre em gestos e com palavras chave, nunca espere que ele entenda o que você fala, apesar de às vezes parecer que sim.

Tenha em mente uma coisa: seu cachorro te considera o líder dele e por isso vai sempre querer te defender e te agradar. Mostre para ele como ele pode fazer isso e ele vai procurar te agradar sempre.

Abrindo os trabalhos

Aqui começo o que seja local para divulgação de informações sobre cães e seus donos. Como adestrá-los (os donos) e fazer com que o convívio entre cães e homens seja cada vez melhor.

A proposta é, com base na experiência com adestramento e no convívio com diversos cães, oferecer dicas de como lidar com as mais inusitadas situações e melhorar o relacionamento com estas criaturas que já estão conosco há tanto tempo, os cães.

Depois de colecionar algumas histórias, resolvi dividi-las por achar que elas têm, cada uma delas, uma lição interessante e importante que ajuda a entender o que os cachorros querem de nós e o que nós podemos esperar deles.

Até breve,
Maurício Melo